Por razões académicas, durante estes últimos dez anos tive por várias vezes a necessidade de fazer as viagens de comboio entre Braga-Porto-Lisboa-Setúbal. Numa rápida retrospectiva, dou-me conta que acompanhei diversos processos evolutivos no nosso país que de outra forma seria impossível: assisti ao nascimento e crescimento da Expo98 e Gare do Oriente, às grandes renovações das Estações de Aveiro e Campanhã, às longas obras de modernização da linha do norte ou ainda à perda de protagonismo dos comboios Inter-Cidades em prol dos Alfa-Pendulares.
Ao longo destes anos, a portabilidade da música também sofreu uma transformação profunda que mal ou bem eu fui acompanhando. Ainda me lembro quando em 96 fazia estas viagens agarrado ao meu Walkman da Sony e um saco do Jumbo cheio de cassetes gravadas, depois durante muito tempo foi o discman e uma bolsa da Case Logic que dava para 24 CD's, e nos últimos 3 anos e meio não me meto no comboio sem a minha Creative Jukebox Zen Xtra de 30Gb (o fenómeno ipod passou-me completamente ao lado). O bichinho tem tudo o que sempre desejei, além de não ser da Apple, tem óptimo som, é de fácil utilização e a excelente capacidade de armazenamento permite-me ter para lá música que nunca mais acaba!
Quero com isto dizer que recentemente fiz pela enésima vez o trajecto Campanhã-Oriente e mais uma vez fui com os phones postos a totalidade do tempo de percurso. Para se ter uma ideia, 3h30 dá para ouvir em média 5 álbuns completos, e como o corpo e a mente estavam algo cansados, as escolhas desta vez recaíram sobre sons não muito agressivos e não muito recentes, próprios para um passeio pacato de comboio pelo nosso país! Assim sendo, por ordem de audição, esta viagem teve a seguinte banda sonora:
Tindersticks “Waiting For The Moon” (2003) :: Depois do Simple Pleasure houve uma espécie de hiato criativo só quebrado por este maravilhoso trabalho mais próximo das sonoridades do início de carreira. O violino torna a tomar o protagonismo devido, e aqui foi encontrado um excelente contraponto a Stuart Staples que é a extraordinária voz do violinista Dickon Hinchliffe. Espero que depois de terem acertado no caminho a seguir o continuem, vamos lá ver como é que sai o próximo trabalho lá para meados deste ano.
Télépopmusik “Angel Milk” (2005) :: Apesar de o ter na minha Jukebox desde que saiu, nunca o tinha ouvido como deve ser. Não é tão bom como o “Genetic World” (sempre gostei imenso deste álbum e da forma como me fez ouvir e gostar de hip-hop) mas mantém as sonoridades características do trio. Arranjos orquestrais a fazer lembrar os salões de dança dos anos 30 e ao mesmo tempo as aventuras musicais de David Lynch e Angelo Badalamenti.
Roxy Music “Stranded” (1973) :: Quando falo sobre musica com pessoas mais velhas (tipo os amigos dos meus pais) vejo que a maior parte tem como grandes referências musicais uns Pink Floyd ou uns Supertramp, um Bob Dylan ou Bruce Springsteen e por aí adiante. São cenas porreiras mas que nunca me chamaram devidamente, se tivesse a idade deles teria como grandes referências uns Velvet Underground, um David Bowie ou Scott Walker, ou então uns Roxy Music. Estes gajos eram formidáveis, ouvindo-os 30 anos depois percebe-se o porquê da grandiosidade da obra, é intemporal!
Morrissey “Vauxhall and I” (1994) :: Para mim é O ÁLBUM do homem a solo, melhor até que muitos dos trabalhos da era Smiths. Grandes músicas, soberbamente construídas e interpretadas, musicas que se lhes dermos espaço invadem a atmosfera sem licença. Isto é coisa para ouvir a alto e bom som depois de um dia de trabalho. Espero que a senhora sentada ao meu lado no comboio não tenha ficado incomodada com o meu entusiasmo aquando da sua audição!
Radiohead “Amnesiac” (2001) :: Nunca achei o “OK Computer” o álbum fenomenal apregoado por meio mundo e mais a outra metade, talvez porque para mim a verdadeira revolução tivesse sido dada um ano antes com o “In a Bar Under The Sea” dos dEUS. Diga-se também que tirando o tema “Creep” os Radiohead nunca me tinham passado regularmente pelos ouvidos até sair o “Amnesiac”. Este sim é um álbum a ter e a recordar durante os próximos 20 anos. Não é imediato, cheio de pormenores sonoros e melódicos só descobertos a partir de algumas audições, mas é por isso mesmo que encanta. Soube muito bem entrar em Lisboa ao som de “Like Spinning Plates”.